A democratização do acesso às tecnologias estimula o debate sobre o letramento digital e obriga escola e professor a repensarem seus papéis.
A professora entra na sala de aula com o objetivo de trabalhar uma proposta de letramento a partir do uso de tecnologia com seus alunos, todos na faixa dos seis anos. A reação de um deles é imediata: “já sei o alfabeto! É asdfghjkl…”. A resposta descreve a sequência de letras do teclado – e não a conhecida sequência alfabética ensinada nas escolas. A cena, que aconteceu em uma escola de periferia de Piracicaba, no interior de São Paulo, será descrita com mais detalhes em livro a ser lançado pela linguista Roxane Rojo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ainda neste ano.
Ao evidenciar uma mudança no desenho da sequência alfabética, a história traz à tona um debate recente: a influência da tecnologia nos chamados processos de letramento. Com a democratização do acesso às denominadas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), a apropriação da linguagem digital provoca situações inusitadas e fenômenos que têm despertado o interesse de inúmeros pesquisadores e profissionais da educação. Tablets, web 2.0, redes sociais, blogs, Wikipédia e Google são apenas alguns exemplos dos recursos que prometem mudar as configurações atuais do meio educacional. Mas, para além das promessas, é preciso entender as mudanças causadas pela tecnologia em sala de aula – principalmente no que diz respeito ao processo de apropriação das práticas de leitura e de escrita.
É preciso, antes de entrar na discussão do letramento digital, retomar o próprio conceito de letramento. A expressão é nova e deriva de outro neologismo, que começou a surgir ainda nos anos 80 para designar práticas mais avançadas que a codificação e a decodificação do código escrito. Como explica a linguista Magda Becker Soares, do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), letrar é mais que alfabetizar. “É ensinar a ler e escrever dentro de um contexto no qual a leitura e a escrita tenham sentido social e façam parte da vida das pessoas”, diz. O termo “letramento” apareceu pela primeira vez na língua inglesa no final do século 19 (“literacy”). Em meados dos anos 80, ao mesmo tempo, os franceses cunhavam o “illetrisme”, Portugal, a “literacia”, enquanto o Brasil “inventava” o letramento.
Brian Street, professor no King`s College da Universidade de Londres, defende que não há um único letramento, formal e acadêmico, mas uma experimentação que é tão distinta quanto as cores do tecido social. São letramentos múltiplos, híbridos de letramentos locais e globais. Escolares ou não, são práticas inscritas em certos modos de vida, culturas, valores e ideologias – e é exatamente desse repertório que a escola é convidada a participar. Nesse sentido, Roxane Rojo afirma que letramentos, no plural, seria um termo adequado para designar um conjunto diversificado de práticas sociais situadas que envolvem a escrita e outras modalidades de linguagem. Dentre os diversos tipos de letramento teríamos, então, o que diversos autores passaram a denominar de letramento digital.
Implicações
“O letramento digital é um pedaço do letramento. Não se pode conceber um sem o outro”, lembra Carla Coscarelli, também do Ceale. Em outras palavras: se o aluno deve ser capaz de usar a língua escrita na vida em sociedade, a tecnologia entra como um dos aspectos a serem ensinados e
contextualizados na escola. Para Débora Duran, pesquisadora do Centro Integrado de Aprendizagem em Rede (Ciar) e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), letramento digital é o “processo de configuração de indivíduos ou grupos que se apropriam da linguagem digital nas práticas sociais relacionadas direta ou indiretamente à leitura e à escrita mediadas pelas TICs”.
Em seu livro Letramento digital e desenvolvimento: das afirmações às interrogações, a autora explica que o processo de apropriação das TICs pode ser entendido como uma estrutura complexa que envolve os recursos tecnológicos, a subjetividade e as características dos contextos nos quais se dão as inúmeras práticas sociais de utilização das ferramentas. Com base nos estudos dos psicólogos Lev Vigotski e Alexei Leontiev, ela defende que é necessário deixar de lado a postura determinista diante dos supostos “impactos digitais”. “Isso porque os processos de transformação e desenvolvimento decorrentes da mediatização tecnológica dependem, necessariamente, das mediações humanas. O que mais importa não é o que as tecnologias fazem conosco, mas o que podemos fazer (ou não) com elas”, explica.
Aluno escreve em lousa digital: abandono da letra cursiva não é consenso entre especialistas
Papeis repensados
Se, por um lado, há escolas que, cada vez mais, recebem alunos que conhecem a língua escrita através do contato com o meio tecnológico, ainda há um contingente significativo de estudantes com acesso limitado a computador e internet. Uma pesquisa realizada recentemente pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil com 500 escolas públicas de todas as regiões do país apontou que há 23 computadores instalados em cada uma delas para um universo médio de 800 alunos. O panorama brasileiro faz com que o letramento digital aconteça em dois âmbitos. Primeiramente, é preciso ensinar as crianças a trabalhar com as especificidades do mundo digital. Exemplos: usar mecanismos de busca, formatar um texto, redigir um e-mail. “Não é só ter aula de computação, mas promover o trânsito na web de modo crítico, fazendo o sujeito perceber em que pode ou não confiar”, alerta Silvia Colello, da Faculdade de Educação da USP (Feusp).
O mundo digital também pode aproximar a escola de tipos de linguagens diferentes, que permitem que o aluno assuma certa responsabilidade em seu processo de aprendizagem. A produção de vídeos e áudios, por exemplo, coloca o estudante como produtor de conteúdo, e não só como receptor. “A tecnologia é hipermídia e multimídia. Ao mesmo tempo que tenho escrita, a imagem está presente, tenho vídeo, áudio e tudo isso é próximo da criança, que já vem habituada pela televisão. É uma aproximação mais natural e multimodal”, diz Roxane Rojo, uma das grandes entusiastas do letramento digital.
Da mesma maneira, as interações por meio de redes sociais mostram que os atuais suportes tecnológicos são centrados na escrita e favorecem a imersão na prática letrada. “Querem desmerecer o Orkut com erro ortográfico, mas as pessoas estão escrevendo e antes não escreviam. Essa intensificação de acesso à escrita, essa democratização foi muito grande”, sublinha Roxane. Se a escrita no universo do livro enfrenta limitações, de certa maneira, democratiza-se em ambiente digital.
Processos cognitivos
As novas tecnologias acabam dando novos moldes aos próprios processos de alfabetização e letramento. A começar pela história descrita no início desta reportagem – a incorporação da sequência alfabética do teclado. “O abandono da sequência alfabética não seria um exemplo forte sobre as mudanças cognitivas. Não se trata de uma transformação no funcionamento psicológico, mas de uma alteração em uma convenção”, opina Débora. Para a pesquisadora, o relato se configura como indicativo “da ponta de um iceberg”.
O caso mais recente de impacto efetivo da tecnologia nos processos de letramento aconteceu nos EUA, onde 46 estados recomendaram que suas escolas abandonassem o ensino da letra cursiva. A ideia é alfabetizar as crianças com o teclado do computador. A importância da letra cursiva, fortemente associada à cultura manuscrita, começa, então, a ser questionada. Em reportagem publicada na edição 173 de Educação, Elvira de Souza Lima lembra que o abandono da cursiva pode ter impactos no desenvolvimento da criança.
No teclado, a letra já está dada, o que dificulta a formação de memória. Além disso, escrever à mão envolve movimento, requer maior atenção e guarda relação com a questão da identidade e da autoria. “Quando está aprendendo a escrever, a criança entende que está desenhando. A função simbólica desenvolvida pela escrita é decorrente de um processo de desenvolvimento do movimento que terá implicações inclusive em outros aspectos”, explica. Para Débora Duran, há outro problema: as convenções sociais ainda não permitem o abandono da cursiva sem prejuízo. “Um exemplo: escrever uma redação num vestibular ou num concurso público. Não sei se o teclado precisa, necessariamente, substituir a cursiva”, diz. Carla Coscarelli, do Ceale, concorda: “não vejo por que o aluno não pode aprender com o teclado, mas o interessante é que ele tenha acesso às duas coisas”.
Protagonismo
Uma pesquisa realizada em 2010 na Grã-Bretanha levanta uma questão importante sobre a democratização do acesso às TICs nas escolas: a possibilidade de perda das habilidades de leitura na era pós-tecnologia. Entre as edições de 2006 e 2009 do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), o país caiu oito posições no ranking de leitura, saindo do 17º para o 25º lugar. A partir do resultado, a National Literacy Trust resolveu investigar o que motivou a queda no desempenho. A pesquisa, que ouviu 18 mil crianças e jovens entre 8 e 17 anos, descobriu que entre os adolescentes de 14 e 16 anos, as chances de que se leia um livro em detrimento do uso do computador é 10 vezes menor do que entre os mais novos.
Entre os materiais lidos fora da sala de aula, os mais mencionados pelos participantes foram: mensagens de textos (60%), revistas (58%), e-mails (50%) e websites (49%). Livros de ficção foram citados por 45,6% deles, enquanto a porcentagem para aqueles que leem não ficção foi de 35,2%. Em entrevista à imprensa após o lançamento da pesquisa, Jonathan Douglas, diretor da entidade, afirmou que o estudo toca em possíveis problemas de letramento. “A nossa preocupação é que essas crianças podem se tornar adultos que tenham a habilidade de leitura de uma criança de 11 anos”, disse. Nesse sentido, a análise do autor norte-americano Nicholas Carr sobre os efeitos da internet no cérebro se torna significativa. Segundo Carr, a web pode estar provocando alterações em partes do cérebro relacionadas com a inteligência, o que provocaria a perda da capacidade de estabelecer raciocínios mais elaborados e de fazer leituras que demandam mais tempo.
“Muitos afirmam que as pessoas estão lendo e escrevendo mais em função do acesso à tecnologia. No entanto, mais é sinônimo de melhor? Quais são as práticas de leitura que garantem a formação de um leitor crítico e reflexivo?”, questiona Débora. Nesse sentido, ela insiste que o papel da escola deve ir além da perspectiva da instrumentalização. “Ela pode ser um espaço privilegiado para as práticas de letramento digital. Isso não significa somente utilizar os computadores nos laboratórios de informática ou nas salas de aula para fins pedagógicos”, explica. A questão do letramento digital se coloca de maneira mais complexa, já que as práticas sociais de uso de computadores não se limitam à sala de aula. O desafio da escola, para a educadora, não é ensinar apenas o know-how (saber como) mas também o know why (saber por quê). “A inclusão digital está atrelada à formação de sujeitos críticos que sejam capazes de compreender as implicações sociais, éticas, econômicas e políticas do avanço tecnológico”. Por essa razão, ela acredita que o letramento digital se configura como um desafio interdisciplinar.
Escola deve atuar para além da perspectiva da instrumentalização das novas tecnologias
Velhos gargalos
Para que o sistema educativo propicie tais encaminhamentos, a escola precisa repensar sua própria capacidade (e, em alguns casos, disposição) de se adequar ao novo cenário. A pressão para que os docentes obrigatoriamente ensinem as disciplinas e seus conteúdos programados, associada à pouca flexibilidade de horários, pode impedir a abertura nesse sentido. “O tempo deve ser repensado. Assim, seria possível trabalhar, por exemplo, com projetos de busca de informações, de construção de sites, que extrapolem as disciplinas propriamente ditas”, explica Carla Coscarelli.
Diferentes especialistas também argumentam em defesa de sistemas mistos e integrados, que podem oferecer ao aluno atividades presenciais e a distância, tanto no ensino fundamental como no médio. Assim, a tradicional aula expositiva, antes centrada na repetição de conteúdos de forma linear, pode abrir espaço para modelos mais colaborativos e fragmentados. A reboque dessa nova lógica, o mundo da educação começa a se confrontar senão com uma nova hierarquia, certamente com um redesenho das relações dentro e fora da sala de aula. A questão traz muitos nós. Um deles remete a um velho problema educacional: a necessidade de repensar os cursos de formação de professores – seja para responder à avalanche de novos processos tecnológicos, seja para dar respostas à própria mudança na relação professor-aluno.
Com a perda do monopólio na transmissão do conhecimento, a escola divide responsabilidades com toda uma comunidade de aprendizagem – estudantes, professores e pais. E ao lado dessa nova hierarquia, a instituição se confronta com a redefinição da didática, agora diante de diversos meios para a construção do saber e da crescente importância conquistada pela transdisciplinaridade. Como preparar o professor para trabalhar no ambiente multimídia? E os projetos pedagógicos apoiados na metodologia expositiva, que mudanças terão de incorporar para encontrar sentido no mundo de bits e bytes?
Assim como o professor se vê diante de um novo fazer pedagógico, o papel do estudante também muda. No modelo contemporâneo, autonomia é palavra-chave e tem papel central na proposta pedagógica. Na intenção de conceituar e entender o conjunto de transformações de fôlego que batem à porta da instituição escola, alguns autores, como Howard Gardner, começam a se valer da expressão Ecologia da Aprendizagem. Ainda que o conceito esteja em construção, a ideia é que o amplo acesso a conhecimentos e informações, aliado ao ritmo acelerado das comunicações digitais, pode criar novas potencialidades individuais e coletivas para a construção do conhecimento.
Tecnologia e caráter
Em meio a tantas mudanças trazidas pelo repertório digital, uma começa a chamar a atenção: a ideia de que a tecnologia pode ajudar a moldar o caráter dos jovens. A novidade vem de Howard Gardner, psicólogo cognitivo, e de sua mais recente pesquisa, o GoodPlay Project, que ele conduz ao lado dos pesquisadores de Harvard. O projeto quer investigar o comportamento ético de jovens e adolescentes em ambiente digital, incluindo redes sociais, blogs, jogos on-line e até o uso de ferramentas como a Wikipédia. A proposta é entender como os jovens conceituam sua participação no universo virtual e as considerações éticas que orientam sua conduta.A pesquisa tem caráter essencialmente qualitativo e adota como metodologia entrevistas em profundidade. Alguns temas ganham relevo na investigação, seja por sua importância na era digital, seja por sua evidente implicação ética. São questões como identidade, propriedade, privacidade, autoria e credibilidade.Na etapa atual, que compreende a faixa de 10 a 14 anos, o estudo também se debruça sobre a influência do adulto na vida dos jovens e busca um olhar especial para o uso politicamente correto da tecnologia. Aqui, a regra é concentrar o foco nos que associam letramento digital e cidadania, fazendo do universo multimídia um terreno de boas práticas. Na primeira fase, o projeto trabalhou com um corte de 15 a 25 anos, usuários de jogos on-line, páginas de redes sociais e outras comunidades digitais.
O que diz o “internetês”
Em e-mails, nas páginas do Facebook e em outras tantas redes sociais o “internetês” é empregado como marca que territorializa, definindo os contornos da linguagem ressignificada em versão digital. As regras buscam a agilidade tão própria dos ambientes e da linguagem digital. Envolvem, por exemplo, a pontuação minimalista e um variado repertório de siglas e abreviaturas.O emprego do K economiza o traçado, preserva o fonema e assegura a compreensão do interlocutor. Aqui é aki e aquilo, na mesma regra, vira akilo, assim como quem é simplesmente kem. A síntese é sempre presente, pela própria agilidade que é marca registrada das tecnologias – você vira vc, não acaba em naum e também vira tb, apenas para ilustrar com os exemplos mais corriqueiros. E por falar em síntese, mensagens de e-mails e de celular usam e abusam de saudações, que não são mais beijos ou abraços, mas bjs e abçs. O simples ato de agradecer também pode ser expresso em três letras – bgd – muito mais prático e funcional que o convencional obrigado. E se o letramento se reconfigura em ambiente digital, vem agora acompanhado de desenhos simbólicos (emoticons), estruturas frasais pouco convencionais e de uma escrita que muitos julgam semialfabética.É simplificação e empobrecimento da língua? Como, afinal, compreender esse fenômeno? “Não é língua, nem linguagem. É como uma ‘reforma ortográfica’ para um uso específico. E vem essencialmente com três funções: agilizar a digitação, se livrar da acentuação – simplificando a parte motora da escrita atual – e, finalmente, definir círculos sociais ou comunidades dentro da rede”, explica Roxane Rojo, da Unicamp.Mas é inegável que muitos professores reagem e ficam incomodados diante dessa mudança nas formas de escrita. Há educadores que transitam com desenvoltura e são grandes entusiastas do repertório digital, enquanto outros tantos temem o fim do livro e difundem os perigos da tecnologia.O debate remete aos conceitos de “apocalíptico” e “integrados”, instituídos pelo linguista italiano Umberto Eco em seu livro Apocalípticos e integrados, publicado na década de 70. Em plena discussão sobre a cultura de massa, Eco definiu como “apocalípticos” aqueles para os quais a cultura de massa significaria a ruína dos “altos valores” artísticos. O “integrado”, por sua vez, convidaria o leitor à passividade ao aceitar o consumo acrítico dos produtos da cultura de massa. Diante de toda inovação, parece que se repete, na escola, justamente esse comportamento dicotômico de adesão ou repulsa.
Tecnologia e caráter
Em meio a tantas mudanças trazidas pelo repertório digital, uma começa a chamar a atenção: a ideia de que a tecnologia pode ajudar a moldar o caráter dos jovens. A novidade vem de Howard Gardner, psicólogo cognitivo, e de sua mais recente pesquisa, o GoodPlay Project, que ele conduz ao lado dos pesquisadores de Harvard. O projeto quer investigar o comportamento ético de jovens e adolescentes em ambiente digital, incluindo redes sociais, blogs, jogos on-line e até o uso de ferramentas como a Wikipédia. A proposta é entender como os jovens conceituam sua participação no universo virtual e as considerações éticas que orientam sua conduta.A pesquisa tem caráter essencialmente qualitativo e adota como metodologia entrevistas em profundidade. Alguns temas ganham relevo na investigação, seja por sua importância na era digital, seja por sua evidente implicação ética. São questões como identidade, propriedade, privacidade, autoria e credibilidade.Na etapa atual, que compreende a faixa de 10 a 14 anos, o estudo também se debruça sobre a influência do adulto na vida dos jovens e busca um olhar especial para o uso politicamente correto da tecnologia. Aqui, a regra é concentrar o foco nos que associam letramento digital e cidadania, fazendo do universo multimídia um terreno de boas práticas. Na primeira fase, o projeto trabalhou com um corte de 15 a 25 anos, usuários de jogos on-line, páginas de redes sociais e outras comunidades digitais.
O que diz o “internetês”
Em e-mails, nas páginas do Facebook e em outras tantas redes sociais o “internetês” é empregado como marca que territorializa, definindo os contornos da linguagem ressignificada em versão digital. As regras buscam a agilidade tão própria dos ambientes e da linguagem digital. Envolvem, por exemplo, a pontuação minimalista e um variado repertório de siglas e abreviaturas.O emprego do K economiza o traçado, preserva o fonema e assegura a compreensão do interlocutor. Aqui é aki e aquilo, na mesma regra, vira akilo, assim como quem é simplesmente kem. A síntese é sempre presente, pela própria agilidade que é marca registrada das tecnologias – você vira vc, não acaba em naum e também vira tb, apenas para ilustrar com os exemplos mais corriqueiros. E por falar em síntese, mensagens de e-mails e de celular usam e abusam de saudações, que não são mais beijos ou abraços, mas bjs e abçs. O simples ato de agradecer também pode ser expresso em três letras – bgd – muito mais prático e funcional que o convencional obrigado. E se o letramento se reconfigura em ambiente digital, vem agora acompanhado de desenhos simbólicos (emoticons), estruturas frasais pouco convencionais e de uma escrita que muitos julgam semialfabética.É simplificação e empobrecimento da língua? Como, afinal, compreender esse fenômeno? “Não é língua, nem linguagem. É como uma ‘reforma ortográfica’ para um uso específico. E vem essencialmente com três funções: agilizar a digitação, se livrar da acentuação – simplificando a parte motora da escrita atual – e, finalmente, definir círculos sociais ou comunidades dentro da rede”, explica Roxane Rojo, da Unicamp.Mas é inegável que muitos professores reagem e ficam incomodados diante dessa mudança nas formas de escrita. Há educadores que transitam com desenvoltura e são grandes entusiastas do repertório digital, enquanto outros tantos temem o fim do livro e difundem os perigos da tecnologia.O debate remete aos conceitos de “apocalíptico” e “integrados”, instituídos pelo linguista italiano Umberto Eco em seu livro Apocalípticos e integrados, publicado na década de 70. Em plena discussão sobre a cultura de massa, Eco definiu como “apocalípticos” aqueles para os quais a cultura de massa significaria a ruína dos “altos valores” artísticos. O “integrado”, por sua vez, convidaria o leitor à passividade ao aceitar o consumo acrítico dos produtos da cultura de massa. Diante de toda inovação, parece que se repete, na escola, justamente esse comportamento dicotômico de adesão ou repulsa.
Fonte: Valeria Hartt, Revista Educação, Especial Tecnologia
Com a colaboração de: Beatriz Rey
Publicado em: Outubro-2011