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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Os perigos da internet

 

Thomaz Wood Jr., professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), defende que a exposição à web pode dificultar raciocínios elaborados e diminuir a memória de longa duração

entrevistaEm 2003, Thomaz Wood Jr., professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV), publicou uma série de artigos sobre o que chamou de “onda das Tecnologias da Informação (TIs)” na área administrativa. Na mesma época, deparou-se com um artigo que chamou a sua atenção. Intitulado It doesn’t matter (Isto não importa) e de autoria de Nicholas Carr, professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), o texto também discorria sobre o uso das TIs nas empresas e concluía: elas não tornam as corporações mais produtivas.

Cinco anos depois, Carr publicaria, na revista The Atlantic, o artigo Is Google making us stupid? (O Google está nos deixando burros?), material que serviu de base para o livro The Shallows – What is the internet doing to our brains (Os superficiais – O que a internet está fazendo com o nosso cérebro), lançado em 2010. “Creio que há pontos de contato entre o que ele trata e meus interesses de pesquisa. E também perspectivas comuns”, diz Wood Jr. Em entrevista abaixo, concedida à editora Beatriz Rey, o professor da FGV detalha as análises de Nicholas Carr sobre os efeitos da internet no cérebro e no processo de ensino e aprendizagem. “Depois de anos de uso, experimentamos dificuldades diante de textos mais longos: as sensações de impaciência e de sonolência. Perdemos algo no caminho”, alerta.

O efeito apontado por Nicholas Carr no funcionamento do cérebro se refere apenas ao Google ou pode ser aplicado à internet como um todo?
Acredito que Carr centra seu foco no Google porque a ferramenta de busca e a empresa constituem uma das faces mais visíveis da internet, mas, na verdade, ele está se referindo à rede de forma geral. Seu livro traz uma ampla compilação de estudos científicos recentes. Seu argumento central é que a internet está provocando alterações em partes do cérebro que proveem a base da inteligência. A ideia é que o cérebro se adapta (fisicamente) ao uso que fazemos dele. O frenesi hipertextual da internet, com seus múltiplos e incessantes estímulos, adestra nossa habilidade de tomar pequenas decisões. Saltamos textos e imagens, traçando um caminho errático pelas páginas da rede. No entanto, esse ganho se dá a custa da perda de capacidade de alimentar nossa memória de longa duração e de estabelecer raciocínios mais elaborados. Quem ler o livro vai se identificar quando Carr menciona a dificuldade que muitos de nós, depois de anos de uso da internet, agora experimentamos diante de textos mais longos: as sensações de impaciência e de sonolência. Perdemos algo no caminho.

Qual seria o panorama dos efeitos da internet no que diz respeito ao processo de aprendizagem, segundo o raciocínio do autor?
Primeiro, o tempo na frente do computador tira tempo de estudo. Segundo, navegar pela internet, com acesso a tudo que há de “divertido”, torna qualquer leitura ou estudo uma atividade comparativamente maçante, algo a ser feito rápido, para que se possa voltar ao mundo virtual. Terceiro, tomando diretamente os estudos citados por Carr, a exposição à internet torna o cérebro menos apto a raciocínios mais elaborados e profundos. A soma dos três efeitos é bem desfavorável

Podemos dizer que a web faz com que os alunos acabem adquirindo conhecimentos relativamente superficiais dos conteúdos ministrados em sala de aula?
Talvez a internet contribua para este efeito nocivo, mas penso que a base deste fenômeno é outra. O copy & paste (copiar e colar) veio muito antes dos computadores. Antes da internet, as enciclopédias eram usadas da mesma forma. O problema está no sistema educacional e na cultura instalada, na qual alguns alunos fingem que aprendem e alguns professores fingem que ensinam.

Uma das principais críticas do autor é que o Google acaba distraindo seus usuários. Como isso pode ser contornado?
A convivência intensa com websites, e-mails, Facebook e YouTube está alterando o uso que fazemos da memória e interferindo em nossa atividade cerebral. As novas mídias proveem informações e ainda influenciam a forma como refletimos sobre o que vemos e lemos. Temos cada vez mais dificuldade para enfrentar textos longos e densos. Concentração e contemplação tornaram-se capacidades raras. A atenção se dispersa, os olhos lacrimejam, a cabeça pesa. Estamos nos acostumando a pensar em soluços, em zigue-zague. A única resposta possível para isso provavelmente é usar a velha e boa disciplina, ou seja, aprender a usar todos estes meios como ferramentas, e não nos tornarmos escravos de uma caixinha de ferramentas. Quem assistiu o filme Tempos Modernos há de se lembrar da cena clássica do Charles Chaplin, que depois de um dia de trabalho em uma fábrica, sai apertando porcas invisíveis pela rua. A fábrica agora é virtual, mas o desafio é o mesmo: evitar a desumanização e desafiar o poder e o domínio da máquina.

Há correntes que apontam um aumento da atividade cerebral quando se usa o Google. Esse incremento pode ser associado à possibilidade de o cérebro reter menos informações?
Quando um campo de estudos científicos está se desenvolvendo, há correntes conflitantes, que tiram conclusões que parecem contraditórias. Isso persiste até que uma corrente se torne dominante, aceita pela comunidade. O que Carr fez foi compilar estudos sérios que ajudam a sustentar seu argumento. O que ele indica é que a internet estimula algumas funções cerebrais e inibe outras. Na web, embarcamos em uma navegação desorientada, por um mar de signos que nem sempre se relacionam. Terminamos as jornadas como o turista que visita cinco países europeus em sete dias e retorna considerando-se conhecedor da cultura do continente. Maryanne Wolf, psicóloga da Tufts University, teme que o novo estilo de leitura enfraqueça nossa capacidade de leitura mais profunda. Na internet, segundo ela, apenas decodificamos informações. Por excesso de informação e pressão de tempo, não avaliamos ou interpretamos os textos.

O sr. é a favor de algum tipo de regulação no que diz respeito ao uso excessivo da internet por crianças?
Certamente. E principalmente pelos pais. A internet, depois dos primeiros anos, está caminhando para se tornar penico virtual. Repete a história da TV. A lógica que rege o veículo é crescentemente comercial, de indução ao consumo. Penso que é responsabilidade dos pais limitar as horas, porque a web e a TV roubam horas de atividades mais nobres, como estudar, brincar e socializar. É preciso também monitorar o conteúdo que as crianças acessam.  É uma tarefa hercúlea fazer este controle e induzir as crianças e jovens a um comportamento mais responsável em relação às tecnologias.

Como é possível controlar os efeitos da tecnologia se as crianças, cada vez mais, usam as ferramentas tecnológicas para as tarefas mais corriqueiras?
Não acredito que as crianças nasçam habituadas com a tecnologia. O que ocorre é que elas são socializadas pelos pais e pelo meio neste mundo artificial. E elas podem ser socializadas de uma forma mais responsável e crítica ou de uma forma mais conformista e acrítica. Não devemos nos colocar contra o avanço tecnológico. As tecnologias de comunicação e informação nos fornecem ferramentas fantásticas. Mas precisamos colocá-las ao nosso serviço, e não o contrário. Penso que devemos ser mais críticos. É preciso não aceitar tão facilmente o comportamento de manada, que parece característico da nossa época. A grande mudança é de visão: se adotarmos uma perspectiva menos conformista, mais aberta, o restante será consequência.

O sr. identifica outros aparatos tecnológicos que trazem as mesmas consequências apontadas por Carr?
Cada época tem sua praga tecnológica. Uma onda anterior trouxe a TV. Daqui a alguns anos, talvez vejamos a TV como hoje vemos o cigarro: o que o cigarro faz contra o pulmão, a TV faz contra o cérebro. O estrago não pode ser minimizado: já temos contingentes de duas ou três gerações que são incapazes de pensar em linha reta ou elaborar pensamentos mais complexos. Sua conversa é composta de fragmentos: parecem falas reproduzidas de telejornais e de telenovelas. Se Carr tivesse escolhido criticar a TV em lugar da internet, provavelmente teria escrito um livro parecido com o que lançou.

Como a escola, e, em última instância, o professor, pode agir para conter os efeitos da internet? Qual o papel dos educadores nesse sentido? E dos pais?
Pais e educadores têm um papel fundamental. Não creio que seja factível, nem desejável, colocarem-se na contramão da tecnologia. O que temos de fazer é continuar cumprindo a missão de formar cidadãos críticos, capazes de ler o ambiente ao redor, sem se conformar automaticamente com tudo que é vendido como moderno e “bacana”. Penso que devemos trabalhar para mudar o significado destes novos meios, remover a aura e o caráter de fetiche que os cercam.

 

Fonte: Revista Educação, Especial Tecnologia
Publicado em Outubro-2011