Ainda pouco difundido no Brasil, o conceito de mobile learning transforma alunos em agentes da própria aprendizagem; especialistas apontam necessidade de discussão sobre as mudanças trazidas pela tecnologia.
A difusão dos dispositivos móveis de comunicação está trazendo uma
nova perspectiva para o uso da tecnologia na educação, ao mesmo tempo
que reacende o debate a respeito de seus efeitos sobre a aprendizagem e o
papel do professor. Da Inglaterra à Austrália, passando pelo Quênia,
Colômbia e o Brasil, pesquisadores e educadores estão se dedicando ao
desenvolvimento e à aplicação de metodologias que incorporam telefones
celulares, smartphones, tocadores de MP3, internet wireless e tablets no
ensino de línguas, biologia, geografia, física etc. Esse processo
envolve, necessariamente, a formação de docentes a fim de que eles sejam
capazes de tirar proveito pedagógico dessas tecnologias e, mais do que
isso, se mantenham afinados com um conceito de aprendizagem que destoa
em relação à sala de aula convencional.
Mobile learning ou m-learning ou aprendizagem com mobilidade é um
conceito tão recente quanto essas tecnologias de comunicação. Sua
definição envolve a utilização de equipamentos de informação e
comunicação móveis e sem fio em processos de aprendizagem, mas não se
resume a isso. Quer dizer, não basta usar um celular para registrar uma
atividade de campo durante uma aula de biologia para caracterizar o
m-learning.
“Uma característica fundamental é a mobilidade dos aprendizes”,
esclarece a coordenadora do Grupo de Pesquisa Educação Digital (GP e-du)
da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Eliane Schlemmer.
“Eles podem estar distantes uns dos outros e também de espaços formais
de educação, tais como salas de aula, salas de formação, capacitação e
treinamento ou local de trabalho”, complementa a pesquisadora, que é
coautora do livro M-learning e u-learning: novas perspectivas da
aprendizagem móvel e ubíqua, ao lado de Amarolinda Saccol e Jorge
Barbosa, também da Unisinos.
Outra característica associada à mobilidade é a ubiquidade, ou seja, a
possibilidade de a aprendizagem ocorrer em qualquer lugar. “É uma
decorrência da mobilidade, pois essas tecnologias liberam a aprendizagem
do tempo e do espaço”, afirma Giancarlo Colombo, membro do Conselho da
Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed). Nessa medida, elas
intensificam as possibilidades de acesso às informações propiciadas,
por exemplo, por laptops e celulares convencionais, ao mesmo tempo que
superam o potencial dessas tecnologias ao permitir que o usuário (ou
aprendiz) se mantenha conectado a uma rede, independentemente de sua
presença física. Este é um dos aspectos que diferenciam o m-learning do
e-learning, a aprendizagem mediada por um computador.
Mas m-learning não é necessariamente sinônimo de tecnologia de ponta.
John Traxler, diretor do Learning Lab, Universidade de Wolverhampton,
no Reino Unido, defende que essas metodologias devem se valer das
soluções adequadas ao contexto no qual se inserem. É isso, afirma ele,
que viabiliza as várias experiências de mobile learning em andamento na
África (veja box abaixo), especialmente em regiões isoladas e com
infraestrutura precária, onde só há energia elétrica por gerador e o
custo dos smartphones é proibitivo para a maior parcela da população.
Nesse tipo de contexto, um celular convencional pode ser de grande
utilidade.
Novas aprendizagens
Cientes da necessidade de envolver e preparar o professor, várias das
experiências de m-learning em andamento no Brasil e no mundo focam
justamente os docentes, atores centrais no processo de
ensino-aprendizagem. “O professor precisa se apropriar das questões
teóricas na vinculação com as especificidades da tecnologia em questão”,
defende Eliane Schlemmer. É dessa maneira que ele será capaz de
identificar os limites e potencialidades das tecnologias.
Afinal, mais do que dominar os recursos dos aparelhos, nesse novo
cenário, o professor se torna um agente provocador da aprendizagem – em
contraposição à sua atuação tradicional na escola como transmissor de
conhecimento. Isto porque o aprendiz (seja ele um aluno ou mesmo um
docente em formação) é alçado à condição de agente da própria
aprendizagem. “O dispositivo pessoal permite que o aluno direcione a
aprendizagem, buscando aquilo que lhe interessa no momento mais
conveniente”, diz Martín Restrepo, diretor da Editacuja.
Ao mesmo tempo, o caminho da aprendizagem deixa de ser unilateral,
potencializando práticas didáticas colaborativas, em que a produção de
conteúdos e informações envolve a participação ativa dos próprios
alunos. É, então, um processo que implica aprendizagens que ocorrem
principalmente por meio da interação, das trocas, do diálogo e do
comprometimento com o outro. Implica ainda, complementa Eliane,
organizar e administrar o tempo e os espaços para aprender. Norbert
Pachler, do Instituto de Educação da Universidade de Londres, na
Inglaterra, defende que a aprendizagem pautada pelo uso de equipamentos
móveis se dá numa relação triangular e não hierárquica entre as
estruturas socioculturais, as práticas culturais e a capacidade de as
pessoas atuarem sobre a realidade em que vivem. Não é, portanto, um
processo individual, mas social.
Conhecimento interligado
Outra teoria que vem ganhando terreno nesse campo é a do conectivismo ou
aprendizagem em rede. Segundo a abordagem, o conhecimento existe em
sistemas acessados pelos indivíduos e não reside exclusivamente na
cabeça das pessoas. Restrepo exemplifica: hoje é comum que adolescentes
estudem conectados a vários sites e dispositivos de comunicação
simultaneamente, o que impõe uma forma diferente de relacionamento com a
informação e conhecimento, ignorada pela escola tradicional. “Os
professores acham que o celular distrai e atrapalha a aula, mas já há
experiências que demonstram o contrário”, defende.
Giselda dos Santos Costa, do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Piauí (Ifpi), está desenvolvendo uma pesquisa de
doutorado sobre o uso de celulares no ensino de inglês com seus alunos
de ensino médio, tecnológico e de formação de professores. “Normalmente,
o ensino de línguas nas escolas públicas restringe o trabalho do
professor a duas habilidades: leitura e escrita. Os celulares favorecem
ao professor expandir suas atividades às demais habilidades, falar,
ouvir e ver”, analisa Giselda.
Formação docente
O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) é uma das
instituições educacionais que vem investindo na aplicação das
tecnologias móveis no Brasil para a formação de professores e de outros
profissionais. “Com um dispositivo em mãos, os alunos podem produzir
conhecimentos em rede adequados às suas necessidades e aos contextos em
que atuam”, explica Bruno Silveira Duarte, gerente de Tecnologia Educacional do Senai nacional. Nessa
perspectiva, o m-learning pode se configurar como um avanço da educação
formal para um espaço e contextos ainda não explorados pelo aluno, dando
suporte a seu processo de formação – desde que o contexto e o uso da
tecnologia sejam planejadas. Mas não são apenas os pesquisadores e
instituições educacionais que estão atentos ao potencial da m-learning.
Entidades ligadas às empresas de telefonia móvel, como o Instituto
Claro, mantêm iniciativas para estimular o uso de celulares na educação:
em dois anos, 4,5 mil docentes e educadores sociais participaram das
atividades que envolvem, dentre outras atividades, um ciclo de oficinas
para a produção de vídeos utilizando equipamento digitais e móveis. Para
Carime Kanbour, vice-presidente do Instituto, a incorporação das novas
tecnologias se configura em recursos capazes de transformar realidades
sociais por meio de projetos educacionais, culturais e ambientais.
“Educadores e estudantes, especialmente aqueles com perfil empreendedor,
são atores fundamentais nesse processo,”, reitera.
As promessas e possibilidades do mobile learning – especialmente no
que diz respeito ao fortalecimento da cultura da aprendizagem em
detrimento da cultura do ensino – são grandes. Contudo, ainda se deparam
com barreiras tecnológicas, socioculturais e pedagógicas. “É necessária
uma profunda reflexão e discussão sobre segurança, privacidade,
relações de trabalho, ética, fatores psicológicos e sociológicos que
esse tipo de tecnologia pode estar provocando”, pontua a professora
Eliane Schlemmer. “Afinal, estas são questões subjacentes às nossas
escolhas como sujeitos de um mundo em constante mutação”, conclui.
Fonte: Marta Avancini, Revista Educação Especial Tecnologia
Publicada em Outubro de 2011
Publicada em Outubro de 2011
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John Traxler, da Universidade de Wolverhampton, no Reino Unido, é um dos grandes nomes do m-learning. Entre 2003 e 2005, participou de um programa de capacitação para 200 mil professores no Quênia. À época, o governo local tornava a educação primária gratuita. O programa envolvia, entre outros, um sistema de transmissão de mensagens via celular por SMS. No entanto, a tecnologia encontrou na cultura local uma barreira. “O governo possui uma estrutura extremamente hierarquizada. Houve dificuldade de acesso aos professores”, relata o pesquisador. A experiência mostra um dos desafios que se colocam para o m-learning: a interação com o contexto no qual ela vai se inserir. |
Saiba mais: |
learningpedia.com.br/8-ferramentas-para-mobile-learningwww.institutoclaro.org.br
www.learninglab.org.uk www.londonmobilelearning.net Leia mais sobre o m-learning no site www.revistaeducacao.com.br |
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